Reflexões sobre O Processo, de Franz Kafka
Platão compartilha a ideia de que as coisas realmente estimulantes são as que apresentam aos sentidos impressões opostas. Nesse viés, ter lido O processo, do tcheco Franz Kafka, fez-me perceber a validade da afirmação platônica ressignificadamente: sendo uma obra tida como inacabada, "Der Prozess" - título original em alemão -, através do personagem Joseph K., suscita um turbilhão de interpretações acerca do acesso à lei que, em tese, deveria preservar o valor do justo, ao passo que Kafka delineia numerosas críticas aos instrumentos judiciais maculados pelas falhas humanas. Esses detalhes, sem dúvidas, cedem muito pano para manga.
Joseph K. é um profissional do ramo bancário que em certa manhã é surpreendido por agentes policiais, em sua própria casa, sob o pretexto de estar sendo preso por ilicitude. Para o espanto da personagem e dos leitores, o motivo desta prisão se configura de forma inescrutável; durante toda a trama, o crime supostamente praticado por K. será um objeto inalcançável, de modo que nem ele próprio terá consciência de tê-lo realizado. Quando Joseph indaga aos seus algozes qual a razão de sua detenção, a resposta que obtém não passa, friamente, de: “Não me cabe explicar isso. Volte para o seu quarto e espere ali. O inquérito está em curso, de modo que se inteirará de tudo em seu devido tempo”.
Franz Kafka, com tremenda maestria, mostra-nos o quanto a burocracia legal pode ser cruel e aviltante. O réu é submetido a determinadas situações cujos ambientes correntes estão sempre envoltos por uma atmosfera claustrofóbica, antinatural, enclausurante e muito semelhante às que estão postas nos pesadelos. K. continua em liberdade durante o decorrer do processo, liberdade essa que é extremamente limitada pelo fluxo de consciência do acusado, não por sentir-se culpado - como poderia, se nem sabe qual é a face do seu crime? - mas pela pressão que os elementos judiciais materiais e imateriais jorram sobre ele.

O reflexo que emana das páginas dessa obra é o de que os procedimentos judiciais são como uma máquina, um conteúdo silogístico. Miguel Reale afirma que "o ato de julgar não obedece a meras exigências lógicoformais, implicando sempre apreciações valorativas (axiológicas) dos fatos, e, não raro, um processo de interpretação da lei, aplicável ao caso", no entanto, essa é uma prerrogativa - quiçá um direito - a qual Joseph K. não verá nem de longe, porquanto seu processo nada mais é do que uma caminhada infinita, uma viagem sem destino sob o açoite do chicote jurídico, de um poder incompreensível, e que se garante sob a indumentária da legalidade formal.
Kafka é, portanto, um gênio que desnudou os espinhos e pregos que podem estar debaixo de um colchão fino conhecido como "A Lei", no qual obrigam o réu a debruçar-se fingindo estar confortável. Seu livro merece ser lido com toda a atenção possível, pois o leitor encontrará não somente impressões opostas - tais como as que Platão levanta - mas também uma torrente de ideias inquietantes e estimulantes.
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