Os conselhos de Polônio a Laertes, em Hamlet, Shakespeare

Certa feita um ser iluminado me disse que "um clássico é uma obra universal que nunca esgota o rio de palavras que tem a tecer". Indubitavelmente, o legado shakespeariano ocupa um lugar ímpar na história do pensamento ocidental, porquanto os olhos de Shakespeare assemelham-se a uma câmera fotográfica de alta tecnologia, cuja imagem-objeto é, magnificamente, a alma humana nos seus mais atômicos detalhes.

Um dos grandes feitos desse tremendo gênio é a peça Hamlet, cujo conteúdo deixarei à mercê da curiosidade dos leitores, embora mesmo os que não tiveram ainda o prazer de se deliciarem com sua leitura já devem ter ouvido das paredes a famosa frase do príncipe dinamarquês: "Ser ou não ser, eis a questão". Digo então que leiam e encontrem suas impressões nesse mar de símbolos humanos às vezes implícitos e, em outras ocasiões, escancarados. 

Nesse sentido, o meu desejo aqui é lhes deixar um trecho da peça, umas poucas frases que perpassam um simples diálogo entre pai e filho, e que, ao meu ver, todos deveriam ler um dia. Deixo-lhes, então, os conselhos de Polônio ao seu filho, Laertes - com a tradução de Millôr Fernandes:

Laertes encerra sua despedida da irmã Ofélia...

LAERTES: Não se preocupe comigo.
Mas já me demorei muito. E aí vem meu pai, (Entra Polônio.)
Uma dupla bênção é uma dupla graça.
Feliz por despedir-me duas vezes.

POLÔNIO: Ainda aqui, Laertes! Já devia estar no navio, que diabo!
O vento já sopra na proa de teu barco;
Só esperam por ti. Vai, com a minha bênção, vai!
(Põe a mão na cabeça de Laertes.)
E trata de guardar estes poucos preceitos:
Não dá voz ao que pensares, nem transforma em ação um pensamento tolo.
Sejas amistoso, sim, jamais vulgar.
Os amigos que tenhas, já postos à prova,
Prende-os na tua alma com grampos de aço;
Mas não caleja a mão festejando qualquer galinho implume
Mal saído do ovo. 
Procura não entrar em nenhuma briga;
Mas, entrando, encurrala o medo no inimigo,
Presta ouvido a muitos, tua voz a poucos.
Acolhe a opinião de todos – mas você decide.
Usa roupas tão caras quanto tua bolsa permitir,
Mas nada de extravagâncias – ricas, mas não pomposas.
O hábito revela o homem,
E, na França, as pessoas de poder ou posição
Se mostram distintas e generosas pelas roupas que vestem.
Não empreste nem peça emprestado:
Quem empresta perde o amigo e o dinheiro;
Quem pede emprestado já perdeu o controle de sua economia.
E, sobretudo, isto: sê fiel a ti mesmo.
Jamais serás falso pra ninguém 
Adeus. Que minha bênção faça estes conselhos frutificarem em ti.

LAERTES: Com toda a humildade, eu me despeço, pai.

POLÔNIO: Vai – que o tempo foge. Teus criados esperam.

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